
Categoria: Artigos
Data: 12/01/2023
Quem é o seu discipulador?
Pr. Valdeci Santos
Discipulado é um termo comum no vocabulário cristão. Discipulado é o processo de ser moldado, conformado à imagem daquele a quem seguimos. De certa forma, toda a vida cristã pode ser descrita como um processo de discipulado, pois o crente é um seguidor de Jesus. Também, discipulado descreve o cerne da tarefa evangelística da igreja, ou seja, fazer discípulos de todas as nações por meio do anúncio do evangelho de Cristo (cf. Mt 28.18-20). Fica implícita a exigência de que, antes de procurar “fazer discípulos”, a própria pessoa deve ser uma seguidora de Cristo. Por essa razão não é de surpreender que os primeiros crentes tenham sido inicialmente chamados de “discípulos” e somente mais tarde receberam a alcunha de “cristãos” (cf. At 6.1-2, 7 e 11.26).
Estranhamente, porém, nos dias atuais, nem todo aquele que confessa seguir a Cristo tem sido, de fato, discipulado pelos seus ensinos. Considerando que um discípulo é alguém que segue seu mestre, adotando suas ideias, atitudes e princípios de vida, é possível conjecturar que alguns cristãos estão sendo “moldados” e “conformados” por outras ideologias que dominam sobre eles. Essas ideologias podem ser absorvidas por meio de filmes, músicas, interações com pessoas do mundo, tradições familiares etc. No entanto, quando se analisa quatro elementos básicos do processo do discipulado encontrados nos evangelhos é possível descobrir quem ou o que, de fato, tem sido o nosso mestre ou discipulador.
Ao ler o conteúdo abaixo é importante que a avaliação seja pessoal, ou seja, que você e eu reflitamos sobre quem, verdadeiramente, temos seguido e quem “molda” nossas ideias, valores e comportamentos. Por essa razão, os tópicos serão escritos em uma estrutura pessoal.
1. Aquele/aquilo a quem/que você dedica mais tempo. Quando Jesus escolheu os seus discípulos ele “designou doze para estarem com ele” (Mc 3.14). Àqueles Jesus ensinava não apenas publicamente, mas também em particular (Mc 9.28 e 10.34). Assim, fica claro que os discípulos de Jesus gozavam de maior tempo de convívio com ele do que as outras pessoas da multidão que o seguia.
Convívio é um princípio básico do discipulado. Se seguirmos alguém é natural que dediquemos grande quantidade de tempo àquela pessoa, pois procuramos aprender dela nos mínimos detalhes. Dessa forma, aquele a quem mais dedicamos tempo acabará sendo o nosso discipulador. Todavia, pode ser que nosso maior tempo não seja dedicado a uma pessoa, mas a algo (jogos eletrônicos, esportes, filmes, músicas, Internet, namoro, sonhos, etc.). Enfim, discipulado implica em convívio e certamente acabaremos sendo moldados por qualquer pessoa ou coisa que toma maior parte do nosso tempo. Por essa razão Jesus afirmou que Maria havia escolhido a melhor parte, pois ela se interessou por ficar aos pés de Cristo e ouvir os seus ensinamentos (cf. Lc 10.42).
O fato é que nem percebemos que aquela atividade que consume a maior parte do nosso tempo acaba por influenciar nossos valores, pensamentos e, por fim, comportamento. Assim, e possível que ao mesmo tempo em que confessemos seguir Cristo estejamos, de fato, sendo discipulados por uma ideologia anticristã. Logo, a pergunta a ser respondida é: a quem (ou a que) dedicamos mais tempo em nossa vida?
2. Aquele/aquilo por quem/que você faz os maiores sacrifícios. Jesus afirmou que se alguém quiser ser seu discípulo deveria “tomar sua cruz” e segui-lo (Lc 14.27). Daquela maneira Jesus ensinava seus seguidores que discipulado implica em renúncia e até mesmo a sacrifícios (Lc 14.33). Considerando que é impossível servir satisfatoriamente a dois senhores o discípulo acabará renunciando a algumas coisas em prol daquele a quem verdadeiramente segue.
Discipulado implica em sacrifícios e basta avaliarmos por quem, ou pelo que, temos feito os maiores sacrifícios para sabermos quem, de fato, é o nosso discipulador. Por exemplo, por quem/que realizamos nossos sacrifícios financeiros, nosso tempo em família, nossa dedicação à igreja, nossos valores morais etc. Nem sempre percebemos que o tempo que dedicamos a alguma atividade específica implica em renúncia de convívio com outra pessoa. O problema é que muitas vezes sacrificamos o tempo que deveríamos ter com o próprio Cristo em oração, leitura da Palavra e adoração em prol da dedicação à outra pessoa, atividade ou coisa. Por exemplo, já reparou como é comum dormir em frente à TV e não ter nenhum tempo para ler e meditar nos ensinamentos da Bíblia? Já observou como conseguimos “arrumar um tempinho para os amigos” e não conseguirmos espaço em nossa agenda para o trabalho na igreja do Senhor? Além do mais, geralmente não medimos os sacrifícios financeiros em prol de uma nova vestimenta, um sapato novo ou qualquer coisa que melhore nossa aparência, mas não conseguimos ser fiéis na entrega do dízimo! Após analisar tudo isso, quem você diria que, realmente, exerce domínio sobre sua vida? Quem é o seu discipulador?
3. Aquele/aquilo por cuja ideologia você é mais influenciado. De acordo com Jesus, o discípulo é aquele que ouve a voz do seu mestre e lhe obedece. Por essa razão, ele disse aos seus seguidores: “Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos” (Jo 8.31). Em outras palavras, o discípulo absorve os ensinamentos, os princípios de vida e a ideologia do seu mestre. No caso dos apóstolos, essa verdade se tornou explícita no evento em que Pedro e João foram levados diante do Sinédrio e, devido à maneira dos discípulos falarem, os membros daquele concílio “reconheceram que haviam eles estado com Jesus” (At 4.13). A influência do Mestre sobre os seus seguidores havia determinado o conteúdo do discurso que eles apresentaram.
Todos nós somos internamente orientados e externamente influenciados em todo o tempo. No entanto, temos a tendência de nos deixarmos influenciar por aquilo que realmente valorizamos e apreciamos. Absorvemos facilmente as orientações e ideologia de quem na verdade seguimos. Isso faz com que nossos valores, sonhos e ambições sejam conformados à imagem daquele/daquilo que, de fato, nos discípula. Com isso, se queremos saber quem é o nosso discipulador, basta avaliar quais são as ideologias que realmente temos absorvido em nossa vida diária. Elas veem da mídia, das conversações diárias, do material que temos lido, das amizades reais ou virtuais ou elas procedem dos ensinos do Salvador Jesus? Sob qual ótica olhamos para a vida? Temos adotado os princípios bíblicos ou os ensinamentos do mundo ao nosso redor? Quem discípula você em termos de ideologias?
4. Aquele/aquilo cujo comportamento você imita. O discípulo segue não apenas as orientações do mestre, mas imita também o seu comportamento. Aquilo que nos influencia acaba determinando a nossa maneira de agir e nos comportar. Por essa razão Jesus disse aos seus discípulos: “Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; por que eu o sou. [...] Porque eu vos dei exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13.13 e 15). Além do mais, ele deixou claro que se os cristãos demonstrassem amor uns pelos outros, todos conheceriam que eles eram seus discípulos (cf. Jo 13.35). Em outras palavras, o discipulador é conhecido pelo comportamento e atitudes adotados pelo discípulo.
Se nós queremos saber quem, de fato, tem sido nosso discipulador é necessário avaliar aquele/aquilo cujo comportamento temos seguido e imitado. Por exemplo, em nossos relacionamentos temos agido com a mesma graça que caracterizou nosso Senhor ou copiamos os padrões e atitudes das pessoas ao nosso redor? Quando temos problemas e dificuldades, procuramos fazer o que o Senhor Jesus fez indo ao Pai em oração e derramando o seu coração ou nos precipitamos em buscar soluções comuns ao mundo corporativo, fazemos o que “todo mundo faz” ou aquilo que sempre vimos nossos pais fazerem? Algumas vezes nosso comportamento é mais moldado pelo que vemos na TV do que pelo que lemos nas Escrituras, não é verdade? Quem é o nosso discipulador em termos de comportamento?
Concluindo, é possível que enquanto professamos seguir a Jesus estejamos, ainda que inconscientemente, sendo discipulados por outra pessoa ou alguma coisa ao invés de seguimos o Senhor na vida prática. Contudo, só saberemos se, de fato, isso ocorre se avaliarmos alguns aspectos básicos do discipulado em nossa vida. A boa nova a esse respeito é que mesmo que nossa conclusão seja negativa, ou seja, se admitirmos que não temos sido completamente discipulados por Cristo, há sempre a possibilidade do arrependimento e confissão Àquele que “é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9). O exemplo do que Jesus fez com Pedro nos assegura de que o Mestre está disposto a restaurar o discípulo arrependido, não importa quão grave tenha sido sua falha (cf. Jo 21.15-23).